2.178 atos secretos da Assembleia
Milhares de decisões tomadas pelo Legislativo entre janeiro de 2006 e março de 2009 não constam em nenhum diário oficial numerado, nem nos avulsos consultados pela reportagem
21/03/2010
00:08
Karlos Kohlbach, Katia Brembatti, James Alberti e Gabriel Tabatcheik
Comunicar errosRSSImprimirEnviar por emailReceba notícias pelo celularReceba boletinsAumentar letraDiminuir letraA Assembleia Legislativa do Paraná omitiu 2.178 atos de janeiro de 2006 até 31 de março de 2009, quando foi publicada a lista de funcionários da Casa. Isso significa uma média de 55 atos secretos por mês – dois a cada dia útil. São atos que nunca foram publicados em nenhum diário oficial numerado ou estão em diários avulsos – aqueles fabricados sem obedecer qualquer ordem numérica e cronológica e que ficam inacessíveis à sociedade.
Os números revelam uma deliberada omissão de decisões por parte da mesa executiva. Se não houvesse documentos em segredo, a direção da Casa deveria ter publicado nesse período 5.494 atos nos diários oficiais. Mas a realidade é outra. A Assembleia divulgou apenas 2.386 atos em diários numerados. Do restante, 2.178 nunca foram publicados e 937 estão nos diários avulsos aos quais a reportagem teve acesso, totalizando 3.108 atos (56,7% do total).
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> 2.386 atos foram publicados nos diários numerados da Assembleia, entre 2006 e março de 2009.
> 937 atos foram publicados nos diários avulsos aos quais a reportagem teve acesso, referentes ao mesmo período.
> 10 movimentações de pessoal, em média, estão nos diários numerados da Assembleia.
> 65 movimentações de pessoal é o número médio em cada diário avulso da Casa.
> 663 atos secretos estavam envolvidos no escândalo do Senado Federal, que veio à tona no ano passado.
Os diários consultados pela Gazeta do Povo e pela RPCTV mostram ainda que a direção da Casa, de uma só vez, omitiu 216 atos. O diário nº 40, de maio de 2007, traz o ato 412/2007 – que se refere a um pedido de abono de um servidor concursado. Depois desse, o próximo ato a ser publicado pela direção da Assembleia é o de nº 629/2007 – que trata da exoneração de um funcionário comissionado do gabinete do ex-deputado Padre Paulo (PT).
Além dos diários numerados, a reportagem teve acesso a uma série de diários avulsos entre 2006 e março de 2009. São exatamente nessas edições que a direção da Casa se vale para publicar centenas de nomeações e exonerações. Nesses documentos, a reportagem encontrou 947 movimentações de funcionários, sendo que 913 eram contratações e demissões – mais de 96%.
Comparando os dados contidos em diários avulsos e os numerados, os números chamam a atenção: são em média 10 contratações ou demissões em diários numerados, enquanto que nos avulsos esse número sobe para 65.
O montante de atos não publicados no Legislativo do Paraná impressiona. O escândalo dos atos secretos no Senado Federal, no ano passado, referia-se a 663 decisões que não foram publicadas. E essa quantidade refere-se a um período d e 14 anos – entre 1995 e 2009. Após uma investigação interna, descobriu-se que essas deliberações do Senado esconderam contratações de parentes dos parlamentares e uma série de benesses.
Semelhanças
O professor da Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direito Público, Mamede Said, vê semelhanças entre o escândalo dos atos secretos do Senado e o caso que está sendo revelado no Paraná. “Tem relação com o modus operandi. No fundo, é o mesmo fenômeno. São atos, no mínimo, suspeitos”, acredita. Para ele, essa tentativa de escamotear o ato público transparece a má fé, já que não deveria haver motivos para esconder aquilo que é feito de acordo com a lei e com os princípios éticos.
Said ainda destaca que, geralmente, essa tentativa visa esconder atitudes que comprometem aquele que é responsável pelo ato ou aquele que é beneficiado por ele. “O ato secreto é inadmissível. A Constituição só excepciona as informações que dizem respeito à segurança e à intimidade. E contratações não se enquadram na categoria ‘questão de segurança nacional’”.
Atos secretos são nulos, defende Said, e podem ter a validade questionada na Justiça. “Se eu fosse nomeado por um ato secreto, o pagamento do salário deveria ser interrompido. Se eu efetivamente trabalhei, não preciso devolver o dinheiro. Mas o vício deveria ser interrompido até a legalização”.
Contramão
Para o advogado André Barbi, que atua na área de direito político, a prática do ato secreto não é aceita no sistema constitucional brasileiro. “Vai na contramão da evolução democrática”, resume. Ele destaca que esse tipo de atitude só pode ser combatido com denúncias e fiscalização. As punições podem ser sindicâncias internas, que determinam desde advertência até perda do cargo, ou na esfera cível, pelos preceitos da lei de improbidade administrativa. Nesse último caso, é preciso identificar se houve má fé, dolo ou culpa. As sanções normalmente se referem a multas, ressarcimentos e suspensão de direitos políticos.
Mamede Said ressalta que a punição é agravada quando a irregularidade administrativa, no caso o ato secreto, representa dano ao erário. “Se o documento não publicado permite o pagamento de salários irregulares, aí é mais grave”, declara.
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